Em Fortaleza, não teve problema de abastecimento de água no período de seca, e a transposição do Rio São Francisco não foi finalizada. Então, quer dizer, o Ceará tem água, mas a distribuição e gestão dela faz com que algumas pessoas passem sede”, afirma a coordenadora executiva da Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, Cristina Nascimento.
O investimento do governo na transposição do Rio São Francisco “poderia ter sido transformado em obras de infraestrutura hídrica para sanar o problema do acesso à água” no semiárido, diz Cristina Nascimento à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone. Segundo ela, a transposição é justificada como alternativa para sanar os problemas oriundos da seca e da gestão da água, entretanto, “vai servir aos grandes empreendimentos e indústrias e jamais chegará para as famílias que vivem no interior e sofrem com a escassez”.Hoje, a principal fonte de abastecimento de água na zona rural do Ceará são as cisternas de placas, instaladas nos quintais das casas dos agricultores. De acordo com Cristina, desde 2007 foram instaladas aproximadamente 22 mil cisternas no semiárido, possibilitando a gestão da água pelos agricultores. “Hoje várias famílias fazem a gestão da água, produzem hortaliças em seus quintais para o consumo e para comercializar, e algumas participaram de feiras agroecológicas durante todo o período de seca. Então, percebemos que as famílias, quando se apropriam da gestão da água, conseguem transformar o que, para nós, parece muito pouco em uma grande possibilidade de produção”, menciona.
Cristina Nascimento é formada em Assistência Social pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é coordenadora executiva da Articulação Semiárido Brasileiro – ASA pelo estado do Ceará.
Confira um pequeno trecho da entrevista:
IHU On-Line – Pode nos explicar o projeto de coleta de água da chuva que está sendo desenvolvido no Semiárido brasileiro? Como funcionam as cisternas-calçadão e as cisternas-enxurradas?
Cristina Nascimento – É importante destacar que essa estratégia de desenvolvimento de tecnologias sociais de convivência com o semiárido nasceu na perspectiva de se contrapor à ideia política de que o semiárido é um lugar que não tem possibilidade de desenvolvimento.
Então, quando a ASA se constituiu, em 1999, propôs uma política que garantisse o acesso à água para as famílias. Foi a partir daí que surgiu a proposta de se construir um milhão de cisternas de placas, porque elas implicam uma tecnologia social simples, de baixo custo. Essas cisternas são feitas de um reservatório de cimento, construído pelos próprios agricultores, e têm a capacidade de armazenar 16 mil litros de água, que serve para o consumo humano. Essa cisterna tem a capacidade de armazenar água por quatro a seis meses no período de estiagem, para uma família de seis pessoas. Ela é reabastecida de inverno a inverno, e, mesmo em regiões em que o índice de chuva é mais baixo, é possível reabastecê-la. Mesmo com a seca do último ano, considerada uma das mais fortes, as famílias conseguiram reabastecer suas cisternas.
A cisterna-calçadão tem a capacidade de armazenar 50 mil litros de água e é conhecida pelo povo do sertão como “cisternona”. A captação da água não acontece pelo telhado da casa, como no caso das cisternas de placa, mas através de uma calçada que é construída especialmente para escoar a água para dentro da cisterna. Essa água é utilizada para a produção de alimentos. A cisterna-calçadão e a cisterna-enxurrada têm a mesma dimensão, mas para abastecer a cisterna-calçadão é construída uma calçada que facilita o escoamento da água da chuva para dentro do reservatório. Na cisterna-enxurrada, não há necessidade de construir a calçada, pois as cisternas são construídas em um local onde a água escorre durante a chuva, ou seja, onde a enxurrada passa, por isso ela tem esse nome.
IHU On-Line – Em seis anos foram instaladas 22.051 cisternas-calçadão e cisternas-enxurrada. Qual o impacto dessas instalações para as pessoas que convivem no semiárido, principalmente neste período de seca?
Cristina Nascimento – É importante perceber o grau de impacto que essas tecnologias têm na vida das famílias. Vários agricultores já estavam produzindo alimentos em seus quintais e, mesmo com a seca, as famílias continuaram produzindo, mas diminuíram a escala de produção sem criar excedente para vender na feira, priorizando o consumo familiar.
Hoje, várias famílias fazem a gestão da água, produzem hortaliças em seus quintais para o consumo e para comercializar, e algumas participaram de feiras agroecológicas durante todo o período de seca.